T I B O R N A
Hoje vamos à tiborna, já começa a apetecer chegar para o calor do
forno, à boca do qual é preparada e comida a tiborna.
Tiborna
significa, à letra mixórdia e esta significa, entre outras coisas, comida mal feita. Porém a tiborna merece-nos
uma página não por ser mal feita, mas
por ser descritiva do que se pode fazer de quase nada.
A
tiborna, regra geral, era feita em dia de cozedura, quando não havia brindeira
(sobre brindeira já falamos noutra
publicação antecedente a esta), ou seja, não havia nada que pôr dentro da massa
do pão que ia a cozer com o próprio conduto, era a este pão recheado, regra
geral mais pequeno que o comum da cozedura, que se chamava brindeira.
Era
também muito comum a cozedura ser
feita para o fim do dia e o pão quente, com ou sem
conduto, servir de ceia.
Então que fazer para arranjar uma ceia gostosa, apenas de pão quando não havia conduto? – É aqui, à mingua de melhor, que
surge a tiborna a qual se encontra por várias regiões do país cada uma com suas variantes, mas sempre de
pão quente com azeite e alho e comida à boca do forno.
A
tiborna, no entanto, também pode ser doce, neste caso abre-se o pão,
preferencialmente à mão, porque pão quente não se corta com a faca, rega-se com
azeite e põe-se açúcar louro. Esta
era a tiborna das crianças.
Entretanto,
a tiborna, como outras comidas tradicionais,
evoluiu e temo-la hoje com os mesmos ingredientes essenciais (pão, alho
e azeite), como um delicioso petisco que permite uma refeição completa e nada
tem de mixórdia.
Antes de passarmos a saborear a
tiborna importa prevenir, que é uma comida pobre, ou pelo menos a sua origem
era, havendo quem aprecie e muito e quem simplesmente desaprecie por completo.
E, com esta venho trazer para cima da mesa um assunto polémico, tal como muitos
outros da gastronomia, mas é exatamente a polémica que dá o sabor à gastronomia. Ela é aquele picantezinho
q.b..
Desde já ficamos a saber que há
diferentes tibornas, nas diferentes
regiões do país, cada uma (região) achando que a sua é a verdadeira e a melhor.
A tiborna que vou apresentar é a saloia, se é desta região, não vá também dizer que é a
melhor, porque há outras igualmente boas ou melhores.
Felizmente as variantes das
comidas mais típicas e que mais perduraram, são muitas e foram-se
reformulando conforme os recursos, ficando umas mais primitivas e outras
mais sofisticadas. Mas, o mais importante é que os palatos de cada um, não
sendo todos iguais, puxam mais aos paladares com que foram criados.
Aqui temos as diferenças, sendo difícil alguém
ficar com a razão neste tipo de discussão.
Assunto arrumado, pão alho e
azeite e o que mais houver e a tiborna está feita.
Também há a tiborna doce, e dela já falamos, a brindeirinha quente com açúcar pobre rudimentar, mas
gostosa.
Ah! mas há mais, muito mais!
E para confirmar o que foi
dito sobre polémica de tiborna cá a temos de novo e desta vez
de requintada doçaria conventual,
trata-se da tiborna ou tibornas do convento das Chagas de Cristo em Vila Viçosa.
TIBORNAS DE VILA VIÇOSA
Mas, vamos lá a saber, as Tibornas de
Vila Viçosa são alentejanas ou são algarvias?
A história é
de remotos tempos e muito longa,
por isso ficamos apenas naqueles
aspetos aparentemente mais importantes.
No entanto, vale a pena fazer um estudo mais
aprofundado e até visitar a belíssima cidade de Vila Viçosa e provar lá a famosa
iguaria.
Vamos então a saber do percurso
histórico das tibornas.
A sua presença em Vila Viçosa começou pelo Convento das Chagas de Cristo, habitado pela
ordem das freiras de Santa Clara.
Porem do que se
sabe do seu percurso, elas não nasceram
lá, antes já eram feitas no Algarve, num
convento muito anterior a este e muito mais modesto, onde viviam as freiras da mesma irmandade, o que faz sentido, uma vez que é o Algarve e não o Alentejo o
produtor de amêndoa que é, para além do pão, o ingrediente mais importante
destas tibornas.
O Convento das Chagas de Cristo foi
fundado em 1514, pelo 4º Duque da casa de Bragança, D. Jaime,
mas habitado apenas em 1530.
Foi então a partir dessa data que as tibornas chegaram a Vila Viçosa pela mão das humildes
clarissas que vieram prestar os seus mais dedicados serviços à nobreza
professa da mesma ordem.
No entanto, foi neste convento que as tibornas se foram aperfeiçoando, até constituirem hoje um ex-libis da cidade, onde se encontram nas
pastelarias envolvidas pelo tradicional
embrulho de papel branco recortado que também faz parte da sua identidade e já é então, segundo se conta, criação de Vila Viçosa.
A receita destas tibornas, encotra-se escrita em várias
obras e foi recolhida do livro Cozinha Regional Portuguesa de Maria Odette Cortes Valente, publicado pela Livraria Almedina em 1973.
É esta a receita que vem publicada a seguir à tiborna saloia.
TIBORNA SALOIA
Ingredientes:
Pão quente, de trigo ou de milho, bom azeite, alho, boa
água-pé ou vinho branco misturado com água
Como é que se faz:
Esfrega-se com alho a côdea do
pão acabado de cozer.
Faz-se um molho de azeite, boa
água-pé ou vinho branco misturado com água.
Parte-se o pão à mão em bocados
para dentro de uma tigela, ou travessa funda e deita-se molho
por cima. A tiborna está feita! mas vamos enriquece-la.
Enquanto o pão está no forno
cozemos uma posta de bacalhau
previamente demolhado. Prepara-se um molho de azeite e alho ligeiramente frito.
Quando o bacalhau estiver cozido ( 8 a 10 minutos, não
mais), retira-se da água, escorre-se bem, retiram-se-lhe as peles e as
espinhas, desfaz-se em lascas largas e rega-se abundantemente com o molho de
azeite e alho.
Serve-se a tiborna propriamente
dita (pão, alho e azeite) conjuntamente com o bacalhau, mas em recipientes
separados e bem quentes.
Obs:
O
que se faz com bacalhau pode fazer-se, com outro conduto: peixe, carne, queijo quente e até vegetais.
Não
se fazendo pão em casa, pode mesmo assim fazer-se a tiborna com o pão que se
compra cozido.
Com
esse pão, já arrefecido, reaquece-se no
forno, barra-se com alho, parte-se e deita-se o molho por cima.
Podemos
ainda criar mais uma inovação para a tiborna com os mesmos ingredientes e por
processo ligeiramente diferente. Abrindo o pão ao meio no sentido horizontal,
retirando um pouco de miolo, colocar o recheio no seu interior e levar mais um
pouco ao forno
TIBORNAS
DE VILA VIÇOSA
Ingredientes:
500g de açúcar; 200g de côdeas de pão; 200g de miolo de pão;
125g de miolo de amêndoa; 8 gemas; 1 clara; 250g de doce de chila espremido;
100g de fios de ovos; canela em pó q.b.
Confeção:
Comece por recortar quadrados de papel de seda com 10cm de
lado mais cerca de 2cm de franjeado.
Como convém à tiborna, quando o pão acaba de sair do forno, retire-lhe as côdeas sem as partir e corte-os
em quadrados de aproximadamente 3cm
Leve o açúcar ao lume
com 1/3 do seu volume de água e deixe
fazer ponto de fio* Introduza os
quadrados da côdea de pão nesse açúcar e deixe-os amolecer.
De seguida retire-os
da calda e coloque-os num prato.
Na calda que ficou junte; o miolo de pão bem desfeito, a
amêndoa moída e as gemas, batidas com a
clara.
Mexa e deixe fazer ponto de estrada.
Obtido o ponto, coloque um quadrado de pão em cima do papel
que preparou antecipadamente, em cima do
pão coloque o doce acabado de preparar,
sobre este o doce de chila e por fim os fios de ovos.
Polvilhe com canela e una as quatro pontas do papel com um
fio adequado.
*Embora os pontos de açúcar
tenham sido publicados em 07/ 10 /2012, por
comodidade vou voltar a coloca-los no fim desta publicação.
Quer saber os valores nutricionais destas
tibornas, consulte o quadro seguinte
Alimentos
|
Quant.
|
V. E.
|
Prot.
|
Gord.
|
H.C.
|
F.A.
|
g
|
kcal
|
g
|
g
|
g
|
g
| |
Açúcar
|
500
|
1905
|
0
|
0
|
496,5
|
0
|
Pão
|
400
|
1412
|
36,4
|
7,2
|
292
|
14,8
|
Amêndoa
|
200
|
1142
|
50,8
|
95,4
|
20,2
|
17,6
|
Gemas
|
160
|
547,2
|
25,6
|
49,44
|
0
|
0
|
Clara
|
40
|
18,8
|
4,4
|
0,12
|
0
|
0
|
Doce de
chila**
|
250
|
545
|
0,35
|
0,25
|
137,5
|
0,85
|
Fios de ovos
|
100
|
360
|
18
|
31
|
99
|
0
|
Totais
|
1650
|
5930
|
136
|
183
|
1045
|
33
|
Nutrientes
por 100g ≈
|
449
|
10
|
14
|
79
|
3
| |
Rendimento da
receita ≈80% = 1320g
|
**Receita de Mimos da Terra
PONTOS DE AÇÚCAR
Como se obtêm os pontos de açúcar:
Põe-se o açúcar ao lume com cerca de 1/3 da sua medida
de água e deixa-se ferver até obter um ponto mais ou menos consistente,
conforme se desejar.
Como se observa se o açúcar está no ponto certo
se não se tiver termómetro
1º Ponto de pasta: - 101
graus centigrados.
Quando o açúcar começa a
aderir à espátula ou colher de pau ou baquelite com que
se está a mexer, ou deitando uma gota num pires ela enrugar ao
passar-se com o dedo.
2º Ponto de fio: - 103 graus centigrados.
Quando ao molhar os dedos,
polegar e indicador, no açúcar e eles se
juntarem um com o outro e ao solta-los formam-se uns fios de pouca resistência
entre ambos.
3º Ponto de cabelo: -106 graus centigrados.
O processo empírico de testar é o
mesmo do ponto de fio, só o termómetro pode dar
a temperatura certa.
4º Ponto de pérola: -108
graus centigrados =34 graus Baumé.
Quando
a calda ao cair da espátula ou colher
com que se está a mexer, suspender uma gota na ponta semelhante a uma
pérola.
5º Ponto de estrada:- 110
graus centigrados.
Quando,
ao passar com a colher de pau ou espátula, pelo creme ou calda de fruta, se
formam uma estrada, que se o conteúdo do tacho não for muito alto, permite ver o fundo do mesmo.
6º Ponto assoprado: - 112 e
115 graus centigrados =37 e 38 graus Baumé.
Quando assoprar o ponto ele se
levanta em espuma.
7º Ponto de espadana:- 117
graus centigrados.
Quando ao mergulhar a espátula ou
colher na calda, ao retira-la a calda
cai em lâminas.
8º Ponto de rebuçado:- 125
graus centigrados .
Quando
deitando uma gota de calda num copo com água fria, ela se junta no fundo em forma de monte duro e quebradiço.
9º Ponto de areia:- 141
graus centigrados.
Quando a calda começa a secar e a
depositar-se junto às paredes da caçarola.
10º Ponto de caramelo:- 145
graus centigrados.
Quando a calda passa de cor branca a amarela pró- castanha.
Perdi-me na leitura .....e tenho de voltar, para dar atenção às receitas.
ResponderEliminarUma maravilha este Blog
Olá Palmira...
ResponderEliminarQue deliciosas "TIBORNAS"...
Esta do "Pão, azeite e alhos, conheço desde criança e aprecio bastante..., só não sabia que se dava o nome de "tiborna"...
Beijinho Palmira..
Tenha um óptimo fim de semana...
Olá Palmira
ResponderEliminarComo dizem os meus antecessores, este blog é uma maravilha.
Há dias vi um programa sobre feira de tasquinhas, na Beira.
E falou o dono dum restaurante, que tinha como prato principal, a Tiborna.
E o que é a tiborna para eles?:
Uma posta de bacalhau assado ao meio duma travessa, batatas a murro dum lado e do outro duas boas fatias de pão caseiro, tudo regado com azeite quente e alho.
Não conhecia o termo, mas gostei do prato.
Bom apetite...
Beijinhos
Leandro Guedes.
Olá Palmira
ResponderEliminarMuito bom este blog.
Quando era pequena a minha avó fazia-me taberna, com pão alentejano quentinho, azeite, açúcar e sumo de laranja. Era óptimo, ainda hoje me recordo daquele gosto! :-)