terça-feira, 5 de novembro de 2013

TIBORNA


                                                         T I B O R N A





Hoje vamos à tiborna, já  começa a apetecer chegar para o calor do forno, à boca do qual é preparada e comida a tiborna.

Tiborna significa, à letra mixórdia e esta significa, entre  outras coisas,  comida mal feita. Porém a tiborna merece-nos uma página  não por ser mal feita, mas por ser descritiva do que se pode fazer de quase nada.

A tiborna, regra geral, era feita em dia de cozedura, quando não havia brindeira (sobre brindeira  já falamos noutra publicação antecedente a esta), ou seja, não havia nada que pôr dentro da massa do pão que ia a cozer com o próprio conduto, era a este pão recheado, regra geral mais pequeno que o comum da cozedura, que se chamava brindeira.

Era também muito comum a cozedura  ser feita  para  o fim do dia e o pão quente, com ou sem conduto, servir de ceia.

Então  que fazer para  arranjar uma ceia  gostosa, apenas de pão  quando não havia  conduto? – É aqui, à mingua de melhor, que surge  a tiborna  a qual se  encontra por várias regiões do país  cada uma com suas variantes, mas sempre de pão quente com azeite e alho e comida à boca do forno.

A tiborna, no entanto,  também pode  ser doce, neste caso abre-se o pão, preferencialmente à mão, porque pão quente não se corta com a faca, rega-se com azeite e põe-se açúcar louro. Esta  era a tiborna das crianças.

Entretanto, a tiborna, como outras comidas tradicionais,  evoluiu e temo-la hoje com os mesmos ingredientes essenciais (pão, alho e azeite), como um delicioso petisco que permite uma refeição completa e nada tem de mixórdia.

Antes de passarmos a saborear a tiborna importa prevenir, que é uma comida pobre, ou pelo menos a sua origem era, havendo quem aprecie e muito e quem simplesmente desaprecie por completo. E, com esta venho trazer para cima da mesa um assunto polémico, tal como muitos outros da gastronomia, mas é exatamente a polémica que dá o sabor  à gastronomia. Ela é aquele picantezinho q.b..

Desde já ficamos a saber que há diferentes  tibornas, nas diferentes regiões do país, cada uma (região) achando que a sua é a verdadeira e a melhor.

A tiborna que vou  apresentar é a saloia, se  é desta região, não vá também dizer que é a melhor, porque há outras igualmente boas ou melhores.

Felizmente as variantes das comidas mais típicas e que mais perduraram, são muitas  e foram-se  reformulando conforme os recursos, ficando umas mais primitivas e outras mais sofisticadas. Mas, o mais importante é que os palatos de cada um, não sendo todos iguais, puxam mais aos paladares com que foram criados.

 Aqui temos as diferenças, sendo difícil alguém ficar com a razão neste tipo de discussão.

Assunto arrumado, pão alho e azeite e o que mais houver e a tiborna está feita.
Também há a tiborna doce,  e dela já falamos, a brindeirinha  quente com açúcar pobre rudimentar, mas gostosa.

 Ah! mas há mais, muito mais!

E para confirmar o que foi dito  sobre polémica de tiborna  cá a temos de novo  e desta vez  de requintada doçaria  conventual, trata-se da tiborna ou tibornas do convento das Chagas de Cristo em  Vila Viçosa.

TIBORNAS DE VILA  VIÇOSA  




Mas,  vamos lá a saber, as Tibornas de Vila Viçosa são alentejanas ou são algarvias?

 A história é  de remotos tempos e muito longa,  por isso ficamos  apenas naqueles aspetos aparentemente mais importantes.

 No entanto, vale a pena fazer um estudo mais aprofundado e até visitar a belíssima cidade de Vila Viçosa e provar lá a famosa iguaria.
Vamos então a saber do percurso histórico das tibornas.

A sua presença  em Vila Viçosa começou pelo   Convento das Chagas de Cristo, habitado pela ordem das freiras  de Santa Clara.
Porem do  que  se sabe do seu  percurso, elas não nasceram lá, antes já eram feitas no  Algarve, num convento muito anterior a este e muito mais modesto, onde viviam as freiras da mesma irmandade, o que faz sentido, uma vez que é o Algarve e não o Alentejo o produtor de amêndoa que é, para além do pão, o ingrediente mais importante destas  tibornas.

O Convento das Chagas de Cristo foi fundado em 1514, pelo 4º Duque da casa de Bragança,  D. Jaime,   mas habitado apenas em 1530.

Foi então a partir dessa data  que as tibornas  chegaram a Vila Viçosa pela mão das humildes clarissas que vieram prestar os seus mais dedicados serviços  à  nobreza professa da mesma ordem.

No entanto, foi neste  convento que as tibornas  se foram  aperfeiçoando, até constituirem hoje um ex-libis da cidade, onde se encontram nas pastelarias envolvidas pelo  tradicional embrulho de papel branco recortado que também faz  parte da sua identidade e já é então, segundo se conta, criação de Vila Viçosa.

A receita destas tibornas,  encotra-se escrita em várias  obras e foi recolhida do livro Cozinha Regional Portuguesa de  Maria Odette Cortes Valente,   publicado pela Livraria Almedina em 1973.
É esta  a receita que vem publicada a seguir à tiborna saloia. 

TIBORNA  SALOIA 




Ingredientes:

Pão quente, de trigo ou de milho, bom azeite, alho, boa água-pé ou vinho branco misturado com água
           
Como é que se faz:

Esfrega-se com alho a côdea do pão acabado de cozer.
Faz-se um molho de azeite, boa água-pé ou vinho branco misturado com água.
Parte-se o pão à mão em bocados para dentro de uma tigela, ou travessa funda e deita-se  molho  por cima. A tiborna está feita! mas vamos enriquece-la.
Enquanto o pão está no forno cozemos  uma posta de bacalhau previamente demolhado. Prepara-se um molho de azeite e alho ligeiramente frito.
Quando o  bacalhau estiver cozido ( 8 a 10 minutos, não mais), retira-se da água, escorre-se bem, retiram-se-lhe as peles e as espinhas, desfaz-se em lascas largas e rega-se abundantemente com o molho de azeite e alho.
Serve-se a tiborna propriamente dita (pão, alho e azeite) conjuntamente com o bacalhau, mas em recipientes separados e bem quentes.

Obs:
O que se faz com bacalhau pode fazer-se, com outro  conduto: peixe,  carne, queijo quente e até vegetais.
Não se fazendo pão em casa, pode mesmo assim fazer-se a tiborna com o pão que se compra cozido.
Com esse pão,  já arrefecido, reaquece-se no forno, barra-se  com alho, parte-se  e deita-se o molho por cima.
Podemos ainda criar mais uma inovação para a tiborna com os mesmos ingredientes e por processo ligeiramente diferente. Abrindo o pão ao meio no sentido horizontal, retirando um pouco de miolo, colocar o recheio no seu interior e levar mais um pouco ao forno

TIBORNAS DE VILA VIÇOSA


 Ingredientes:

500g de açúcar; 200g de côdeas de pão; 200g de miolo de pão; 125g de miolo de amêndoa; 8 gemas; 1 clara; 250g de doce de chila espremido; 100g de fios de ovos; canela em pó q.b.


Confeção:
Comece por recortar quadrados de papel de seda com 10cm de lado  mais cerca de 2cm de franjeado.
Como convém à tiborna, quando o pão acaba de sair do forno,  retire-lhe as côdeas sem as partir e  corte-os  em quadrados de aproximadamente 3cm
Leve  o açúcar ao lume com 1/3 do seu volume de água e deixe  fazer ponto de fio* Introduza  os quadrados da côdea de pão nesse açúcar e deixe-os amolecer.
De seguida retire-os  da calda e coloque-os num prato.
Na calda que ficou junte; o miolo de pão bem desfeito, a amêndoa moída e as gemas, batidas com  a clara.
Mexa e deixe fazer ponto de estrada.
Obtido o ponto, coloque um quadrado de pão em cima do papel que  preparou antecipadamente, em cima do pão coloque o  doce acabado de preparar, sobre este o doce de chila e por fim os fios de ovos.
Polvilhe com canela e una as quatro pontas do papel com um fio adequado.
  
*Embora os pontos de açúcar tenham sido publicados em 07/ 10 /2012,  por comodidade vou voltar a coloca-los no fim desta publicação.

Quer saber os valores nutricionais destas tibornas, consulte o quadro seguinte

Alimentos
Quant.
V. E.
Prot.
Gord.
H.C.
F.A.
g
kcal
g
g
g
g
Açúcar
500
1905
0
0
496,5
0
Pão
400
1412
36,4
7,2
292
14,8
Amêndoa
200
1142
50,8
95,4
20,2
17,6
Gemas
160
547,2
25,6
49,44
0
0
Clara
40
18,8
4,4
0,12
0
0
Doce de chila**
250
545
0,35
0,25
137,5
0,85
Fios de ovos
100
360
18
31
99
0
Totais
1650
5930
136
183
1045
33
Nutrientes  por 100g ≈
449
10
14
79
3
Rendimento da receita ≈80% = 1320g
**Receita de Mimos da Terra


PONTOS DE AÇÚCAR    
                                  
Como se obtêm os pontos de açúcar:
Põe-se  o açúcar ao lume com cerca de 1/3 da sua medida de água e deixa-se ferver até obter um ponto mais ou menos consistente, conforme se desejar.

Como se observa se o açúcar está no ponto certo se não se tiver termómetro

1º  Ponto de pasta: - 101 graus centigrados.
Quando o açúcar começa a aderir  à espátula ou colher  de pau ou baquelite  com que  se está a mexer, ou deitando uma gota num pires ela enrugar ao passar-se  com o dedo.
2º  Ponto de fio: - 103  graus centigrados.
Quando ao molhar os dedos, polegar e indicador, no açúcar e eles  se juntarem  um com o outro e  ao solta-los formam-se uns fios de pouca resistência entre ambos.

3º Ponto de cabelo: -106 graus centigrados.
O processo empírico de testar é o mesmo do ponto de fio, só o termómetro pode dar  a temperatura certa.

4º  Ponto de pérola: -108 graus centigrados =34 graus Baumé.
Quando a calda ao cair da espátula ou colher  com que se está a mexer, suspender uma gota na ponta semelhante a uma pérola.

5º  Ponto de estrada:- 110 graus centigrados.
Quando, ao passar com a colher de pau ou espátula, pelo creme ou calda de fruta, se formam uma estrada, que se o conteúdo do tacho não for muito alto,  permite ver o fundo do mesmo.

6º  Ponto assoprado: - 112 e 115 graus centigrados =37 e 38 graus Baumé.
Quando assoprar o ponto ele se levanta em espuma.

7º  Ponto de espadana:- 117 graus centigrados.  
Quando ao mergulhar a espátula ou colher na calda, ao retira-la a calda  cai em  lâminas.

8º  Ponto de rebuçado:- 125 graus centigrados  .
Quando deitando uma gota de calda num copo com água fria, ela se junta  no fundo em forma de monte duro e quebradiço.

9º  Ponto de areia:- 141 graus centigrados.
Quando a calda começa a secar e a depositar-se junto às paredes da caçarola.

10º  Ponto de caramelo:- 145 graus centigrados.
Quando  a calda passa de cor branca a amarela  pró- castanha.








   

4 comentários:

  1. Perdi-me na leitura .....e tenho de voltar, para dar atenção às receitas.
    Uma maravilha este Blog

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  2. Olá Palmira...
    Que deliciosas "TIBORNAS"...
    Esta do "Pão, azeite e alhos, conheço desde criança e aprecio bastante..., só não sabia que se dava o nome de "tiborna"...
    Beijinho Palmira..
    Tenha um óptimo fim de semana...

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  3. Olá Palmira
    Como dizem os meus antecessores, este blog é uma maravilha.
    Há dias vi um programa sobre feira de tasquinhas, na Beira.
    E falou o dono dum restaurante, que tinha como prato principal, a Tiborna.
    E o que é a tiborna para eles?:
    Uma posta de bacalhau assado ao meio duma travessa, batatas a murro dum lado e do outro duas boas fatias de pão caseiro, tudo regado com azeite quente e alho.
    Não conhecia o termo, mas gostei do prato.
    Bom apetite...
    Beijinhos
    Leandro Guedes.

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  4. Olá Palmira
    Muito bom este blog.
    Quando era pequena a minha avó fazia-me taberna, com pão alentejano quentinho, azeite, açúcar e sumo de laranja. Era óptimo, ainda hoje me recordo daquele gosto! :-)

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